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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
Adrina Buzelin, uma história de superação
Uma entrevista de Adriana Lage com Adriana Buzelin
Adriana Lage: Qual deficiência possui? Como se tornou cadeirante?
Adriana Buzelin: Sofri um acidente automobilístico
lesionando a cervical (C5/C6). Acidente este que me deixou tetraplégica
por muitos anos. Na época, eu estava cursando meu primeiro curso
superior (Relações Públicas), trabalhava como modelo publicitário e
produtora de eventos. Fazia muitos comerciais de televisão e campanhas
publicitárias, participava de concursos de modelo e minha beleza física
era um fator muito importante para mim. Também estava começando a
trabalhar na área que estava cursando: sendo produtora de artistas,
eventos e bandas de rock.
Foram dois anos sem movimentos quase nenhum do pescoço para baixo e
sem nenhuma perspectiva médica que me indicasse melhora. Perdi
totalmente minha identidade, não me enxergava mais como Adriana. Porém
apesar de toda tristeza nunca acreditei que o “para sempre” existia. Por
isso, um dia, tomei a decisão mais importante da minha vida. Fazia
muita fisioterapia, porém me sentia frustrada porque os movimentos
vinham devagar demais. Estava cansada, a ponto de desistir, então
percebi que tinha duas opções: ou me entregaria à situação atual que me
fazia tão infeliz ou batalhava, com todo empenho, para ter uma vida com
qualidade mesmo em uma cadeira de rodas. Optei por continuar a fazer
muita fisioterapia, mas também batalhar para ter uma vida mais
convencional, por viver e dar rumo a minha vida!
A partir daí, comecei a perceber que meus movimentos começavam a
voltar. Já movimentava o pescoço, os ombros e os braços. Passaram-se
anos e, sem descanso e com o apoio de minha família, me tornei quase uma
paraplégica, só me faltam os movimentos dos dedos das mãos que ainda
são poucos.
Adriana Lage: Ser deficiente em nosso país não é nada fácil.
Como diria um amigo meu, é preciso matar um leão por dia e reservar
outro para o dia seguinte. Quais as principais dificuldades que
enfrentou/enfrenta no dia a dia?
Adriana Buzelin: Ser deficiente, em qualquer lugar
do mundo, não é fácil. Portar uma deficiência é difícil psicologicamente
e fisicamente, pois a meu ver está tudo interligado. A rotina do dia a
dia é realmente o mais difícil porque enfrentamos uma ausência de
profissionais capacitados para nos auxiliar. O que é corriqueiro para
uma pessoa que tem todos seus movimentos e sentidos preservados é um
desafio diário para nós.
A começar pela roupa que vestimos. As roupas são totalmente
inapropriadas. Colocar uma calça jeans é quase uma maratona e olha que
com ajuda de alguém, pois, sem essa ajuda, fica quase impossível no meu
caso. A moda inclusiva é necessária! E profissionais da moda ainda não
se alertaram que existe um nicho de mercado grande e promissor diante
deles.
Isto acontece também com os móveis e utensílios domésticos. Nada está
ao nosso alcance, nem com fácil acessibilidade. Máquinas de lavar,
fogões, geladeiras, enfim a grande parte dos objetos que usamos no dia a
dia é inacessível para nós. É outro problema na área de design de
produto.
Também não temos preços justos para o que precisamos. Cadeiras de
rodas, almofadas especiais, remédios, médicos, fisioterapia, tudo é
muito caro. Além de caro, é também difícil achar novidades que não visam
somente a reabilitação. Querer fazer algo que saia fora do convencional
é quase impossível. Poucos profissionais percebem a importância de se
atualizar. Existem melhoras, existe a possibilidade de ter qualidade de
vida e acho absurdo tentar ‘matar’ a esperança de recuperação. Está aí a
medicina batalhando para achar soluções para muitas lesões e doenças.
Enquanto estive em São Paulo, achei clínicas de fisioterapia que
investiam na recuperação e não somente na reabilitação de uma lesão
medular, como é o caso da Fisio Action. E aqui, em BH, quando voltei
encontrei este perfil na Aqua Fisio, que segue a mesma linha da clínica
de SP acrescentando a hidroterapia.
E, claro, sem deixar de citar a arquitetura. No Brasil, é impossível
comprar um imóvel que tenha estrutura para um cadeirante (cito
cadeirante porque é meu caso). Portas largas, banheiros maiores, pias e
janelas rebaixadas, dentre tantas outras coisas. Nada é projetado para a
classe deficiente. Fora de casa, piora muito! Enfrentamos ruas
esburacadas, locais sem rampas, banheiros sem adaptação, uma cidade sem
segurança e muitas pessoas preconceituosas, por total falta de
informação, existe também a ideia que a pessoa com deficiência é incapaz
para inúmeras áreas de trabalho. Muita coisa já se tornou lei, porém
não é cumprido. Haja visto que encontramos diariamente pessoas que
utilizam as vagas reservadas para pessoas com deficiência.
Adriana Lage: Nos momentos de desânimo, onde/em que encontra forças para seguir?
Adriana Buzelin: Descobri que para recomeçar era
necessário mudar conceitos e valores que até então eu tinha. Descobri
que era necessário sofrer o luto pelos movimentos perdidos e chorar a
perda deles. Afinal, era uma forma de romper com o que se foi e ter
força para começar um novo trajeto. Era necessário recomeçar e para isto
era importante descobrir que existia, mesmo não acreditando, uma beleza
em mim além da externa. Era importante me enxergar sob uma nova forma,
adquirir autoestima, conquistar minha sexualidade, me aceitar como sou e
me ver novamente bela.
Sou uma pessoa, por característica, movida a desafios. Desafios, não
obstáculos que citei acima, mas desafios que me fazem me sentir capaz.
Seria hipocrisia dizer que não sinto desânimo, porque sinto e muito;
mas, quando olho para vida e vejo o quanto ainda não fiz, me dá forças
para querer continuar e conquistar, cada dia mais, um espaço ainda
desconhecido. Daí, eu observo as pessoas que me rodeiam e vejo que
esperam sempre mais de mim. Sinto que não posso me decepcionar e nem às
pessoas que me amam. Sigo em frente e descubro que tenho muito a
acrescentar.
Adriana Lage: Sabemos que nós, mulheres com deficiência,
somos mais vulneráveis. Como podemos nos proteger da violência contra a
mulher? Quais cuidados você toma?
Adriana Buzelin: Não consigo imaginar alguma
diferença no aspecto violência contra mulheres com deficiência ou não.
Vejo, atualmente, a violência inserida em nossa sociedade com vítimas em
todas as classes sociais independente de quaisquer características
físicas diferentes. A meu ver, o que devemos, portando ou não uma
deficiência, é sempre estarmos atentas às situações que nos colocam
vulneráveis. Tem tantas coisas que não faríamos estando em condições
físicas normais; imagine com limitações?
Adriana Lage: Já sofreu preconceitos em relacionamentos amorosos por ser deficiente? O que pensa sobre esse assunto?
Adriana Buzelin: Já, claro! Principalmente no início
da minha vida como cadeirante. Acho ridículo e de uma extrema
mediocridade. Acredito que qualquer ser humano munido de preconceito não
deve nem ser considerado um ser pensante. Tenho verdadeiro repúdio a
preconceitos.
Adriana Lage: Como a arte entrou em sua vida? O que ela representa para você? Como podemos ter acesso ao seu trabalho?
Adriana Buzelin: A arte sempre fez parte da minha
vida. Meu avô paterno era maestro, minha tia cantora lírica e minha mãe
artista plástica. Dancei balé clássico por 11 anos, toquei piano por
muitos anos também, porém após o acidente, sem movimentos nos dedos e
com a necessidade de resgatá-los, comecei a mexer com argila. Foi onde
fiz minha primeira obra que, como citei, ganhou premiação.
As favelas sempre povoaram meu imaginário. Ainda garota, aos 12 anos
de idade, costumava acompanhar minha mãe, a artista plástica Iole
Marques, em visitas a favelas de Belo Horizonte. Naquela época, tinha
uma visão de menina: acha lindos aqueles labirintos com suas casinhas e
bananeiras. Através de minhas favelas-esculturas, meu nome já
ultrapassou os limites geográficos de Minas Gerais e até do Brasil.
A relação com o aglomerado tipicamente brasileiro foi reavivado ainda
no pós-acidente; enquanto fazia exercícios fisioterápicos, observava,
na janela de seu quarto, a favela do Alto Vera Cruz em Belo Horizonte.
Hoje em dia, você pode encontrá-las à venda na loja do Palácio das Artes em BH e até através do meu facebook. (www.facebook.com/adribuzelin).
Adriana Lage: Qual o segredo para ser uma mulher tão bela?
Poderia nos contar quais cuidados são imprescindíveis para seu corpo e
alma?
Adriana Buzelin: Obrigada! Em primeiro lugar, antes
de qualquer coisa, você tem que gostar de si mesma. Eu reaprendi a
gostar de mim e a enxergar que era possível existir beleza neste novo
corpo que me foi imposto após o acidente.
Posso te dizer que se cuidar fazendo exercícios físicos, tratar da
pele e do cabelo, alimentar-se bem e ser atenta ao alertas do seu corpo,
te mantêm saudável e, por consequência, bonita Mas nada equivale à
aceitação de si mesma. Estar de bem com seu corpo te faz feliz e ninguém
que está infeliz fica belo.
Da minha alma, cuido com delicadeza. Tento ser muito doce comigo,
apesar de exigir de mim mais que qualquer pessoa que conviva comigo.
Procuro estar com os olhos abertos para vida, aberta a novas
experiências e nunca perco a esperança de amanhã estar melhor que hoje.
Adriana Lage: Você também trabalha como modelo? Fale um pouco
sobre sua carreira? O mercado da moda está aberto para pessoas com
deficiência? Qual a reação do público diante de modelos cadeirantes?
Adriana Buzelin: Tive uma oportunidade de tirar umas
fotos por pura vaidade pessoal que rendeu alguns frutos. Resolvi me dar
oportunidade de me ver através de uma máquina fotográfica e para isto
você tem que estar muito bem com seu corpo, tanto que achei as fotos
muito bonitas. Divulgada estas fotos, pessoas da área de moda me
convidaram para fazer um book profissional. Eita, surgiu um desafio e como não gosto nada de desafios, é claro, que fui tentar! rs…
Após isto, fui convidada a dar um depoimento para a revista Viver
Brasil, de outubro/2012, onde apareceu, inclusive, umas das fotos do meu
book feitos pela agência de modelos Woll de BH.
Sou considerada a primeira modelo cadeirante de Minas Gerais, porém
percebo claramente como este mercado está engatinhando. Não posso dizer
que existe ainda uma carreira como modelo porque as coisas estão
começando agora. Tenho tentado divulgar e me inserir no mercado da moda,
mas ainda tem muitas restrições. Novidade alguma dizer que fora do país
existe um mercado interessante e reconhecido de modelos com
deficiência. Até mesmo, em São Paulo, esta área começa a ser vista com
bons olhos, mas, infelizmente o mercado ainda está muito fechado e são
poucos que percebem a possibilidade de mudar o estereótipo do modelo
publicitário, afinal a reação do público tem sido boa e muitos conseguem
admirar um novo conceito de beleza.
Tem um texto de Joaquim Nabuco que expressa muito o tento dizer:
“A borboleta nos acha pesados, o pavão malvestido, o rouxinol roucos, a águia rastejantes.” Estas palavras traduzem claramente algo que nem todos veem: tudo na vida é relativo, tem diversas formas, dependendo de como enxergamos. Inclusive a beleza.
Adriana Lage: Recentemente, você realizou o grande sonho de
mergulhar. Como foi a experiência? Onde mergulhou? Quais passos um
tetraplégico deve seguir para mergulhar?
Adriana Buzelin: Aí que está: nunca sonhei em
mergulhar! Sonhava em saltar de paraquedas, mas mergulhar não. Até mesmo
por total falta de informação, eu não sabia que poderia me tornar uma
mergulhadora.
O mergulho surgiu em minha vida da forma mais linda possível. Meu
irmão, Márcio, estava de férias em Fernando de Noronha. Mergulhando de
forma recreativa, percebeu que a sensação era tão ímpar e singular que
poderia me tirar desde universo terrestre onde enfrento tantos
obstáculos físicos. Me ligou, me relatou como era fascinante estar
submerso e me fez a proposta de ir tentar fazer o mesmo.
Daí, fui à busca de escolas e profissionais que fossem habilitados em
mergulho adaptado. Foi então que me surpreendi novamente, pois, em Belo
Horizonte, não temos nenhuma escola de mergulho que se proponha a
habilitar uma pessoa com deficiência. Pesquisei na internet e descobri a
pessoa pioneira em mergulho adaptado no Brasil (HSA): Lucia Sodré.
Conversando, ela me explicou que a HSA (Handicap Scuba Association),
fundada em 1981, dedicou-se a melhorar o físico e o bem-estar social
das pessoas com deficiência através do esporte de mergulho, tendo
mergulhadores instrutores em alguns pontos do Brasil e um deles em São
Paulo. A Scafo/SP e William Palma Spinetti dão este curso especializado
para pessoas com deficiência. Qualquer pessoa com limitação física e que
compreenda as regras de segurança que envolve mergulhar podem, se com
saúde, ingressar no mergulho adaptado.
Digo que foi a melhor experiência que tive em toda minha vida. A
partir do momento que adentramos no universo do mergulho, nossa vida se
transforma; abre-se um novo olhar e aí não conseguimos viver mais sem.
Queremos, cada vez mais, ousar, experimentar, descobrir…
Fomos eu, Kleber e companheiros de mergulho para Ilha Bela – litoral
de SP. Não havia medo, não havia receio, havia apenas uma imensa
felicidade de estar ali. A sensação da água te dando liberdade e leveza
era o que sentia em meu corpo enquanto em minha mente só me trazia uma
sensação de um imenso prazer de capacidade e fascinação por poder
desvendar este novo universo que nunca sairei dele. Mesmo com pouca
visibilidade, consegui ver corais, peixes, pepinos marinhos, estrela
marinha que pude passar a mão nela. Uma estátua de Netuno, uma
carroceria de caminhão… Depois disso, percebi que minha vida não seria
mais a mesma!
Que venham as próximas viagens e os próximos mergulhos em águas
claras e quentinhas, afinal, agora possuo habilitação básica para
mergulhos internacionais. E ainda quero me especializar mais. O problema
agora é conseguir acessibilidade às cidades e hotéis do mundo,
principalmente do Brasil!
Adriana Lage: Como você definiria Adriana Buzelin?
Adriana Buzelin: Perseverante, exigente e determinada. Faço qualquer coisa pra me sentir capaz e ser feliz.
Adriana Lage: Quais serão seus próximos desafios?
Adriana Buzelin: Não sei! Eles virão e eu vou encarar, sempre!
Adriana Lage: Qual mensagem deixaria aos leitores?
Adriana Buzelin: Tente ser feliz consigo mesmo.
Trace metas e objetivos para sua vida por mais difíceis e impossíveis
que eles inicialmente pareçam. Lute por seus direitos, tente ser
independente, se esforce para ser capaz. A felicidade e a capacidade
andam juntas e são as chaves do sucesso. Se realize!
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